Eu
tinha medo de cruz. Era um medo acentuado e dolorido, atrelado ao fim da vida
das pessoas.
O
cruzeiro enorme em frente à igreja, e que servia inclusive de pique nas
brincadeiras de pega-pega, haveria de extinguir qualquer razão para o medo. Mas
você sabe, fobias não se curvam ao poder da sapiência.
O
símbolo representava a esperança além de coisa triste, explicou um parente
igualmente católico, quando sonegando ansiedade, reclamei dos propósitos
daquela cruz gigante e agourenta no pátio da matriz.
Dominado
pelo pavor, enxergava em cada cruz apenas ostentação de tragédia, alarde físico
da morte. E sofria em silêncio, remoendo ansiedade.
Fosse
acidente de carro ou afogamento no rio, erguiam cruz. No caso de óbito na água,
a cruz apavorante era plantada em terra firme. Para meu azar, escolhiam lugar
visível. Hábito estranho deste povo, plantando cruz onde não é sepultura.
Ao
topar com uma cruz, dava o dia por perdido. Fosse de noite então, piorava tudo.
Em trecho conhecido, onde havia cruz eu já sabia. Então me adiantava, virando o
rosto ou cerrando vigorosamente os olhos. Esforço inútil. A imaginação não dava
trégua, a memória trabalhava. Sem contar que de um dia para o outro, novas
cruzes eram fincadas nas curvas da estrada.
Evitava
até mesmo encarar cruz enfeitando o peito de devotos.
Certa
vez, ganhei um crucifixo. Banhado a ouro, atestava o cartão. E agora? Confesso
o trauma para descartar este adorno? Sem que eu pedisse, o parente deu a ideia:
–
Esta cruz de Caravaca não é da parte boa, jogue fora, diga que perdeu ou que
roubaram, faça qualquer coisa, minta o quanto for preciso, mas não coloque este
colar no pescoço.
Há
coisas neste mundo que devem ser guardadas com carinho – ou trocadas por dinheiro.
Quando
visitava cemitério, por ocasião de enterro ou para queimar vela aos mortos, o
medo de cruz sumia. Talvez, a grande quantidade de cruzes sombrias,
horripilantes e assustadoras, espetadas em covas rasas rente ao chão ou ornando
túmulos luxuosos, acalmasse os sussurros inquietantes do coração. Ou quem sabe
outros medos se incubavam na alma atribulada.
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