VOCÊ GOSTA DE LER?

Leitura é muito mais do que decodificar palavras. É ir muito além! É voar sem destino pelas páginas de um livro.
Devemos observar várias formas de arte, expressas em textos escritos ou não (verbal ou não verbal) e, delas tirar lições, reflexões, ou mesmo divesão. O que não podemos é sairmos indiferentes, pensando: não entendi nada! Ou fingindo ter entendido tudo, sem no entanto, ter compreendido o que o emissor realmente disse.
Muitas mensagens, realmente são de entendimento dúbio, ou seja, dá margens a mais de uma interpretação.
O que não se deve, é não entender nada! Se por acaso isso acontercer, e não é nada depreciativo assumir isso, devemos buscar mais informações e, fazer com que de alguma forma, essa leitura acrescente algo de positivo em nossa vida.

Leia, vá ao cinema, museus, shows, teatros, ouça músicas, mas reflita, pense!
Se não tiver argumentos bem fundamentados, cale-se e vá aprender mais.


"NÃO TENHO UM NOVO CAMINHO. O QUE TENHO É UM NOVO JEITO DE CAMINHAR." (Thiago de Melo)


sábado, 4 de junho de 2011

O outro lado de Dom Casmurro (Millôr Fernandes)


Publiquei, através de anos, no Estadão,
no O Dia, e no Jornal do Brasil – ao todo aproximadamente dois
milhões de exemplares – "pesquisa" sobre Dom Casmurro, a obra
magna de Machado de Assis. Como minha página era a capa exterior dos jornais
citados, e o assunto era picante – se Escobar, "herói" do romance,
tinha ou não tinha comido a Capitu, eterna e tola discussão entre
beletristas –, devo ter alcançado pelo menos cem mil desprevenidos.
Bom, não apenas mostrei que Escobar comeu a Capitu, como, não sei
não, acho que tirei Dom Casmurro do "armário".

Como não sou dos maiores – e nem mesmo dos menores – admiradores
do bruxo, fundador da Academia Brasileira de Letras ("a Glória que
fica, eleva, honra e consola", eu, hein, que frase!), não vou discutir
a maciça, inexpugnável web protecionista que se criou em
torno dele. Não quero polemizar (falta-me vontade e capacidade) com a candura
que os erúditos (com acento no ú, por favor) têm pra relação
equívoca entre Capitu, a "dos olhos de ressaca" (que Machado não
explica se era ressaca do mar ou de um porre), e Escobar, o mais íntimo
amigo de Bentinho, narrador e personagem do livro (evidente alter ego do
próprio Machado).
A desconfiança
básica vem desde 1900, quando Machado publicou Dom Casmurro. Dom
Casmurro é ou não é corno, palavra cujo sentido de humilhação
masculina – que ainda mantém bastante de sua força nesta época
de total permissividade – na época de Machado era motivo de crime
passional, "justa defesa da honra", e outros desagravos permitidos pela legislação
e pelos costumes.
Curioso que, ontem
como hoje, o epíteto corna não se grudou à mulher.
Ela é tola, vítima, "não sei como suporta isso!", "corneia
ele também!", mas o epíteto não colou.

Dom Casmurro sofre da dor específica umas 50 páginas do romance,
envenenado pela hipótese da infidelidade de Capitu. Que dúvida,
cara pálida? Capitu deu pra Escobar. O narrador da história,
Bentinho/Machado, só não coloca no livro o DNA do Escobar porque
ainda não havia DNA. Mas fica humilhado, desesperado mesmo, à proporção
que o filho cresce e mostra olhos, mãos, gestos e tudo o mais do amigo,
agora morto. Bentinho chega a chamar Escobar de comborço (parceiro na cama).
Mas, pela nossa eterna pruderie
intelectual, também ainda ridiculamente forte com relação
a outro tipo de relação, a homo, nunca vi ninguém
falar nada das intimidades entre Bentinho e Escobar. É verdade que, na
época, Oscar Wilde estava em cana por causa do pecado que "não ousava
dizer seu nome".
Não fiz interpretações.
Apenas selecionei frases – momentos – do próprio Dom Casmurro/Machado,
da edição da Editora Nova Aguilar. Leiam, e concordem ou
não.
Pág. 868
"Chamava-se Ezequiel de Souza Escobar. Era um rapaz esbelto, olhos claros, um
pouco fugidios, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo."
Mesma página "Escobar
veio abrindo a alma toda, desde a porta da rua até o fundo do quintal.
A alma da gente, como sabes, é uma casa com janelas para todos os lados,
muita luz e ar puro... Não sei o que era a minha. Mas como as portas não
tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las e Escobar empurrou-as
e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou..."

Pág. 876 "Ia alternando a casa e o seminário.
Os padres gostavam de mim. Os rapazes também e Escobar mais que os rapazes
e os padres."
Pág. 883
"Os olhos de Escobar eram dulcíssimos. A cara rapada mostrava uma pele
alva e lisa. A testa é que era um pouco baixa... mas tinha sempre a altura
necessária para não afrontar as outras feições, nem
diminuir a graça delas.
Realmente
era interessante de rosto, a boca fina e chocarreira, o nariz fino e delgado."
Mesma página "Fui levá-lo
à porta... Separamo-nos com muito afeto: ele, de dentro do ônibus,
ainda me disse adeus, com a mão. Conservei-me à porta, a ver se,
ao longe, ainda olharia para trás, mas não olhou."

Mesma página "Capitu viu (do alto da janela)
as nossas despedidas tão rasgadas e afetuosas, e quis saber quem era que
me merecia tanto.
– É
o Escobar, disse eu."
Pág.
887
"– Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também;
aqui no seminário você é a pessoa que mais me tem entrado
no coração.
– Se
eu dissesse a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo, perderia a graça...
Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém,
você é o primeiro, e creio que já notaram; mas eu não
me importo com isso."
Pág.
899
"Durante cerca de cinco minutos esteve com a minha mão entre as
suas, como se não me visse desde longos meses.

– Você janta comigo, Escobar?

– Vim para isto mesmo."
Pág.
900
"Caminhamos para o fundo. Passamos o lavadouro; ele parou um instante
aí, mirando a pedra de bater roupa e fazendo reflexões a propósito
do asseio; lembra-me só que as achei engenhosas, e ri, ele riu também.
A minha alegria acordava a dele, e o céu estava tão azul, e o ar
tão claro, que a natureza parecia rir também conosco. São
assim as boas horas deste mundo."
Pág.
901
"Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo,
que não pude deixar de abraçá-lo. Era no pátio; outros
seminaristas notaram a nossa efusão: um padre que estava com eles não
gostou..."
Pág. 902
"Escobar apertou-me a mão às escondidas, com tal força que
ainda me doem os dedos."
Pág.
913
"Escobar também se me fez mais pegado ao coração.
As nossas visitas foram-se tornando mais próximas, e as nossas conversações
mais íntimas."
Pág.
914
"A amizade existe; esteve toda nas mãos com que apertei as de Escobar
ao ouvir-lhe isto, e na total ausência de palavras com que ali assinei o
pacto; estas vieram depois, de atropelo, afinadas pelo coração,
que batia com grande força."
Págs.
925/26
(Depois da morte de Escobar) "Era uma bela fotografia tirada
um ano antes. (Escobar) estava de pé, sobrecasaca abotoada, a mão
esquerda no dorso de uma cadeira, a direita metida no peito, o olhar ao longe
para a esquerda do espectador. Tinha garbo e naturalidade. A moldura que lhe mandei
pôr não encobria a dedicatória, escrita embaixo, não
nas costas do cartão: 'Ao meu querido Bentinho o seu querido Escobar 20-4-70'."
P.S.: Mas, se vocês ainda
têm dúvida, leiam a página 845 do fúlgido romance.
Bentinho, ele próprio, fica pasmo, e realizado, quando consegue
dar um beijo (quer dizer, apenas uma bicota) em Capitu. É ele próprio
quem fala, entusiasmado com seu feito de bravura:
"De
repente, sem querer, sem pensar, saiu-me da boca esta palavra de orgulho:

– Sou Homem!"

 

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